A angústia da polivalência

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Muito antes de abrir o Cadeirão Voltaire, na época em que os blogs ocupavam um espaço em crescimento, animador e muito in na internet em português, abri este blog de banda desenhada e ilustração a meias com a Sílvia. Na altura, não havia nenhum blog dedicado a esses temas e a ideia era ter um espaço de divulgação e alguma crítica, que servisse para acompanhar os estudos e as leituras que ia fazendo nessa área e alguma vontade de contrariar certas ideias-feitas sobre a banda desenhada. Foi assim que nasceu, em 2003, o Beco das Imagens. Os anos passaram, milhares de blogs surgiram, outras coisas ocuparam o espaço dos blogs. O trabalho que já fazia na imprensa, sobre livros, foi crescendo e ganhando outros contornos, comecei a fazê-lo também sobre livros de banda desenhada e ilustração, acabei por criar o Cadeirão Voltaire, que me ocupa a maior parte do tempo disponível para estas coisas. Com as mudanças, o Beco das Imagens foi ficando parado, acolhendo unicamente os textos que assino sobre bd e ilustração na imprensa e meia dúzia de eventos para divulgar. Por outro lado, o Cadeirão foi recebendo alguns posts em uníssono com o Beco das Imagens, porque sempre me pareceu que era preciso incluir a bd e a ilustração no espaço dos livros. Não faz sentido. E faz ainda menos sentido quando, muitas vezes, não actualizo o Beco das Imagens unicamente pelo trabalho que dá abrir uma segunda página e entrar com uma segunda password – ou seja, se o trabalho que ali fazia estivesse incorporado no Cadeirão Voltaire, como aliás devia estar, porque um blog sobre livros e leituras não tem por que não incluir banda desenhada e ilustração, as coisas seriam diferentes. Está resolvido o assunto: o Beco das Imagens fecha hoje as portas, porque não vale a pena alimentar moribundos cibernéticos, e os textos sobre bd e ilustração, bem como as notícias, a agenda, as notas soltas e os vários etc’s passam a integrar o Cadeirão Voltaire, como talvez devesse ter acontecido há muito tempo. É de livros e leituras que falo nesse espaço e se cá em casa as estantes não se aborrecem com a bd e a ilustração, no blog não será diferente. A partir de hoje, o Beco muda-se para o Cadeirão.

Angoulême 2014

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A 41ª edição do Festival de la Bande Dessinée d’Angoulême começa amanhã. Quem não estiver por terras francesas pode acompanhar as novidades no site do festival.

Ilustrarte 2014

ILUSTRARTE2014

A edição de 2014 da Ilustrarte – Bienal de Ilustração para a Infância inaugura na próxima quinta-feira, pelas 19h00, no Museu da Electricidade, em Lisboa. Para além da mostra dos 50 autores seleccionados, onde se incluem Johanna Benz, vencedora desta edição, e Diego Bianki e Urszula Palusinska, destacados com menções honrosas,a Ilustrarte contará ainda com uma exposição individual de Chiara Carrer e com uma mostra de livros da autoria de José Jorge Letria, escritor em destaque este ano.

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Livros que vieram com o Natal

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Joe Sacco, The Great War (Jonathan Cape, 2013)

Recortes: David Soares e Pedro Serpa, Palmas Para o Esquilo

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David Soares e Pedro Serpa
Palmas Para o Esquilo
Kingpin Books

David Soares tem construído a sua obra em banda desenhada através de livros onde podemos identificar uma história, enquanto sequência de acontecimentos contados a partir de um determinado ponto de vista, mas onde o magma narrativo é essencialmente alimento para outras reflexões. Em Palmas Para o Esquilo, onde volta a trabalhar com o desenhador Pedro Serpa (de O Pequeno Deus Cego), Soares leva um pouco mais longe aquilo que já pode, ao fim de tantos livros, entender-se como um programa, elaborando uma história onde o registo ensaístico é eixo fundamental.

Duas linhas diegéticas correm em simultâneo, uma pela voz do narrador, outra pela acção concomitante de imagem e texto em balões de fala. Se a segunda é a que permite acompanhar a história do protagonista (internado naquilo que parece ser um manicómio), através de uma analepse que recua à sua infância e à origem de certas obsessões, a primeira é a que alimenta o gesto, visceral mas metódico, de reflectir sobre a loucura. Nessa reflexão, Soares faz desfilar teorias e arcanos, visões teológicas e interpretações psicanalíticas, sempre num discurso mais voltado para ser alavanca de pensamentos do que para impor conclusões sobre o tema. A linha clara de Pedro Serpa não oferece diálogo ou desafio, cumprindo com segurança e sem fulgor a construção narrativa de David Soares, mas essa fraqueza acaba por colocar do lado do argumento e da storyboard o ónus de força deste livro, oferecendo à arquitectura narrativa e ao seu conteúdo um palco iluminado onde podem brilhar as questões, o raciocínio e as dúvidas de Soares sobre o modo como nos relacionamos com o mundo e com o inferno que, de um modo civilizado ou, pelo contrário, desregrado, guardamos por entre as meninges.

Sara Figueiredo Costa
(texto publicado no Expresso/Actual, Dez. 2013)

Dez livros de 2013

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Isto das listas, já se sabe, é um exercício vão de memória. Escolhem-se títulos que marcaram o ano nas leituras de cada um, mas fica sempre o temor de deixar de fora coisas muito mais interessantes, coisas que não lemos ou que pensamos ter lido há mais tempo. No Expresso, a tarefa é facilitada pelo facto de só escrever sobre banda desenhada, ilustração e territórios afins. Fica aqui a minha lista do ano que passou, mais o textinho que a acompanhava na edição do dia 28 de Dezembro do Actual (onde aproveitei os caracteres para fugir aos territórios habitais):

Carla Maia de Almeida, Irmão Lobo (Planeta Tangerina)
André da Loba, Bestial (Pato Lógico)
Mandana Sadat, O Jardim de Babaï (Bruaá)
Jean-Luc Fromental & Joelle Jolivet, 365 Pinguins (Orfeu Negro)
Aaron Frisch e Roberto Innocenti, A Menina de Vermelho (Kalandraka)
Francisco Sousa Lobo, O Desenhador Defunto/ The Dying Draughtsman (Chili Com Carne)
David Soares e Pedro Serpa, Palmas Para o Esquilo (Kingpin Books)
Marcel Ruijters, Inferno (Mmmnnnrrrg)
André Diniz, Morro da Favela (Polvo)
Mariette Tosel, WC (Mmmnnnrrrg)

A edição de banda desenhada voltou a retrair-se, mantendo-se os projectos editoriais mais pequenos como último reduto dos livros que vale a pena levar de 2013. Chili Com Carne, Polvo e Kingpin Books salvaram a safra, mas ficou algum pessimismo no ar. No caso da ilustração e dos álbuns, a crise não foi decisiva, talvez porque o sector dito infantil é aquele que melhor se aguenta em tempos de precariedade. Quebrando a regra de só referir livros de BD, ilustração e territórios afins, com a inclusão habitual da categoria infantil-juvenil que serve mais à arrumação livreira do que a qualquer leitura, junto dois livros fora deste âmbito, ambos da Letra Livre, fundamentais para compreender a edição e os modos de trabalhar com livros: O Negócio dos Livros, de André Schiffrin e & etc, Uma Editora no Subterrâneo, coordenado por Paulo da Costa Domingos. Sem eles, o ano editorial ficaria incompleto.

Prémio Nave Especial

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Já se conhecem os resultados do Prémio Nave Especial – Histórias Digitais Ilustradas, atribuído pela Pato Lógico e a Biodroid, os organizadores do ABC da Edição Digital. O júri, composto por André Letria, Tiago Ribeiro, Jorge Silva, Paulo Ferreira e Pedro Campos escolheu, para vencedor da categoria História Digital Ilustrada Infantil, o trabalho “Guarda-Sóis do Brasil”, de Teresa Cortez e Wolf Shmid. Nessa mesma categoria, o júri destacou ainda quatro outros trabalhos, ambos merecedores de menções honrosas: “Chef Pickle”, de Filipa Areias e Margarida Madeira; “A Vida às Vezes Dói”, de Rita Almeida e Rita Ferreira; “Shoe Mice” (Os Ratinhos-dos-sapatos), de Miguel Alves, Joy Hanford e Humberto Neves; “Things Keep Falling Out Of My Head”, de Rita de Sá Catarino Tavares.

Na categoria História Digital Ilustrada não houve vencedores, tendo o júri considerado que nenhuma das propostas apresentadas atingia os critérios mínimos de qualidade exigidos.

VSAdH/EdWB/IpAN (uDdPL)

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Amanhã, pelas 18h00, no espaço Fabrica Features (Chiado), inaugura a exposição a partir do livro Variações Sobre o Anjo da História/Ensaio de Walter Benjamin/Inspirado por “Angelus Novus” (um Desenho de Paul Klee), de Pedro Moura e Ilan Manouach (La Cinquième Couche/ Montesinos).

“VSAdH/EdWB/IpAN (uDdPL), ou Variações Sobre o Anjo da História/Ensaio de Walter Benjamin/Inspirado por “Angelus Novus” (um Desenho de Paul Klee)” é uma coleção de 48 poemas em prosa de Pedro Moura com desenhos do artista grego Ilan Manouach. 
Co-publicado pela belga La Cinquième Couche e a chancela editorial Montesinos, em edição bilingue, este livro apresenta um bestiário a partir da mais famosa imagem de Walter Benjamin, criando um objecto que ocupa a zona desmilitarizada entre a ilustração, a banda desenhada e o livro de artista, dissolvendo as suas fronteiras. 
Uma tempestade caleidoscópica em torno das ruínas da história, VSAdH/EdWB/IpAN (uDdPL) quer reelectrificar o enigma.

André da Loba e Marta Monteiro distinguidos nos EUA

André da Loba e Marta Monteiro receberam a medalha de ouro da Society of Illustrators. Em Janeiro, vão integrar a exposição anual que esta sociedade organiza em Nova Iorque.

(via Público)

Ilustrarte 2014

JohannaBenz

A ilustradora alemã Johanna Benz é a vencedora da Ilustrarte 2014, cuja exposição inaugurará em Janeiro do próximo ano. As menções especiais foram para o argentino Diego Biankie a polaca Urszula Palusinska.

Amadora BD 2013

AmadoraBD2013

A 24ª edição do festival de banda desenhada da Amadora, Amadora BD, abre hoje as portas. Às 18h30 inaugura-se a exposição que homenageia Geraldes Lino, na Galeria Municipal Artur Bual (Geraldes Lino, militante da BD e dos fanzines), e às 21h30 abrem-se as portas do Fórum Luís de Camões, na Brandoa, onde se localiza o espaço central do festival (com exposições de Ricardo Cabral, o autor português em destaque na edição deste ano – e cuja exposição tive o prazer de comissariar – , David Soares, Fernando Relvas ou Yoshiyasu Tamura, exposições dedicadas ao Super-Homem, a Spirou e aos Mutts, uma exposição sobre o trabalho de seis autores brasileiros contemporâneos e várias outras sobre trabalhos recentes de autores publicados e premiados ao longo do último ano).

A imagem gráfica do Amadora BD 2013 resulta de uma ilustração assinada por Ricardo Cabral e trabalhada em conjunto com o GBNT – gabinete de design e este processo terá igualmente uma exposição explicativa no Fórum Luís de Camões.

A programação completa do Amadora BD pode ser consultada aqui.

Toma lá 500 paus e faz uma BD

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Já se conhece a decisão do júri do concurso Toma lá 500 paus e faz uma BD!, lançado pela associação Chili Com Carne com vista à publicação de um livro. Francisco Sousa Lobo foi o autor escolhido com o projecto The Care of Birds / O Cuidado dos Pássaros, que há-de ganhar a forma de livro ao longo do próximo ano. As primeiras páginas já podem ser vistas aqui.

 

Mariana Lopes Viegas, a Tia Nita (1918-2013)

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Morreu Mariana Lopes Viegas, conhecida no meio editorial e da banda desenhada como Tia Nita. Irmã de António Cardoso Lopes Jr., o Tiotónio, Mariana Viegas conviveu de perto com o universo dos jornais e revistas de banda desenhada, nomeadamente com O Mosquito, tendo sido a responsável pelo suplemento A Formiga, destinado às leitoras, que esta publicação incluiu durante cento e oitenta edições.

Em jeito de homenagem, republico o texto que escrevi sobre A Formiga, para a exposição dedicada a O Mosquito que o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem realizou em Outubro de 2006, altura em que tive oportunidade de trocar algumas ideias com a própria Tia Nita, sempre de uma simpatia e uma disponibilidade totais.

O INSECTO MAIS NOVO DA FAMÍLIA MOSQUITO

Sara Figueiredo Costa

Sete décadas passadas sobre o início da publicação de um dos mais importantes periódicos da banda desenhada portuguesa, importa recordar as suas múltiplas contribuições para a edição e divulgação de banda desenhada e igualmente para o desenvolvimento do jornalismo infanto-juvenil, se assim lhe podemos chamar, português. Sede de aprendizagens jornalísticas várias, O Mosquito foi também o ponto de partida para uma outra publicação, sua suplementar, mas com características que a tornaram única no panorama editorial da época. Dirigida por Mariana Lopes Viegas, A Formiga começou a ser publicada no número 443 d’O Mosquito, em 22 de Setembro de 1943 e saiu, com periodicidades diferentes, até à 180ª edição, no número 888 d’O Mosquito, em 27 de Dezembro de 1947. Mas recuemos um pouco, antes de resumirmos de modo tão seco uma história com tanto conteúdo.

Jornal mais do agrado do público masculino que do feminino, na altura habituado ou, melhor dizendo, apenas autorizado, a histórias de encantar e conselhos sobre lavoures, o Mosquito decide albergar um “semanário para as meninas”, como se lia na capa de cada edição. A convite de António Cardoso Lopes, mais conhecido do público por Tiotónio, Mariana Simões Lopes, sua irmã, assumirá a identidade de Tia Nita e ficará responsável pela direcção do suplemento. Numa época em que o jornalismo não era espaço considerado adequado para as supostamente delicadas ‘almas femininas’, e em que as responsabilidades de direcção eram uma verdadeira miragem para qualquer mulher, esta é a primeira característica d’A Formiga que importa assinalar.

A segunda característica que quero aqui destacar é o modo como Tia Nita se entrega à organização editorial do jornal, definindo secções e colaborações com um savoir faire característico de quem sempre teve o jornalismo como profissão e quotidiano. E apesar de o percurso académico de Mariana Cardoso Lopes não ter, até à data da primeira edição d’A Formiga, passado pelo jornalismo, a verdade é que a família Cardoso Lopes sempre nutriu um enorme fascínio pelo ofício. A criação de jornais, efémeros e amadores, mas muito completos, fazia parte dos passatempos preferidos dos irmãos Lopes durante a infância e a juventude, como nos conta a própria Tia Nita numa ‘Autobiografia’ entregue à Tertúlia BD em Maio de 1993: “Quando nas férias nos juntávamos todos, mais disponíveis, tínhamos um jornal feito à mão – ‘A Bóia’ – onde cada um colaborava segundo os seus gostos, habilidades e inspiração”1.

Logo no primeiro número d’A Formiga, Tia Nita dirige-se às leitoras de modo directo, desafiando-as a escreverem-lhe cartas e partilharem com ela sonhos e preocupações: “Escrevam-me a ‘conversar comigo’, como se o fizessem convosco mesmas”. Estava criada a personagem e os resultados foram visíveis imediatamente a seguir, na segunda edição do suplemento, com a Tia Nita a responder a várias cartas das suas ‘sobrinhas’, numa rubrica que se tornaria parte imprescindível d’A Formiga e que ajudaria a definir uma das personagens mais características do meio da banda desenhada portuguesa no período áureo dos jornais infanto-juvenis.

Para além da secção das cartas, A Formiga publicava banda desenhada, contos, jogos e passatempos, onde se incluíam os famosos moldes de roupa para boneca, e algumas rubricas que se tornaram famosas na época, como o “Diário de Bélita”, que pretendia reflectir o quotidiano de uma menina e que constitui, lido atentamente nos dias de hoje, um excelente elemento de reflexão sobre o modo como se ficciona e padroniza exageradamente a mente e as capacidades das crianças a quem se dirigem os textos de literatura infanto-juvenil.

Pelas páginas de banda desenhada d’A Formiga passaram autores como J. Cortez, o ‘clã’ Blasco, Artur Correia ou Eduardo Teixeira Coelho. Três histórias se destacaram neste espaço que, não rivalizando com O Mosquito, publicou alguns momentos memoráveis da história da banda desenhada portuguesa: “A Moura e o Dragão” e “A Moura e a Fonte” (duas das três histórias da chamada ‘Trilogia das Mouras’), com texto de Artur Correia e desenho de Eduardo Teixeira Coelho e a “Anita Pequenita”, do espanhol Jesus Blasco, colaborador frequente d’O Mosquito.

O tom que atravessa as páginas d’ A Formiga remete, sem destoar, para o imaginário esperado e permitido às meninas da época: algumas transgressões à realidade, com a fantasia possível a convocar duendes faladores que vêm de visita, animais com capacidades inverosímeis, personagens como a Anita Pequenita, aventureira nascida num sino de prata e meninas sempre prontas a dedicarem-se aos passatempos que lhes estão destinados. No entanto, há momentos em que essas transgressões se adensam, criando imaginários que talvez já não fossem tanto do agrado dos zelotes da moral e dos costumes das meninas da década de quarenta do século passado, mas que certamente terão feito as delícias dessas mesmas meninas, com pouco ou nenhum acesso a outros discursos ficcionais que não os que as mães e restante família decretavam aceitáveis. As aventuras da “Anita Pequenita” são o exemplo mais claro disso, com momentos a raiar o terror gore (para os padrões da altura, entenda-se) e com algumas situações em que a fantasia infantil bem comportada cede lugar à quase alucinação (a este propósito veja-se o texto que António Dias de DEUS dedicou à “Anita Pequenita” no volume O Mosquito – 60º Aniversário, 1996).

Ofuscada pelo peso e importância inegáveis d’O Mosquito, A Formiga não tem tido, creio, a atenção que realmente merece quando se olha para o percurso dos jornais juvenis ao longo do século XX português. Se isso se deve à curta vida da publicação, ao facto de se dirigir a um público ao qual as publicações de banda desenhada deram pouca importância ou à circunstância de estarmos perante uma publicação subsidiária em relação a uma outra, ainda por cima referência cimeira dos jornais juvenis portugueses, é pergunta para a qual não tenho resposta. Talvez se deva a todas estas razões, em menor ou menor grau, mas o que importa destacar é que talvez as comemorações dos setenta anos do glorioso Mosquito venham a contribuir para corrigir esse erro.

1 Agradecemos a Mariana Lopes Viegas a disponibilização deste e de outros documentos que nos ajudaram a reconstituir alguns dos episódios fundamentais na vida d’A Formiga.

3ªs Conferências de Banda Desenhada

CBDPT 2013

No próximo dia 18 de Setembro, a Faculdade de Letras da Universidade de LIsboa recebe a terceira edição das Conferências de Banda Desenhada, uma organização de Pedro Moura através do Laboratório de Estudos de BD e do Centro de Estudos Comparatistas. O programa completo pode ser consultado aqui.

Recortes: Morro da Favela

Morro_Favela

André Diniz (fotografias de Maurício Hora)
Morro da Favela
Polvo

A criação de discursos sobre as favelas, sejam de índole ficcional ou documental, cede muitas vezes ao registo da compaixão, ilustrando desgraças como se nada mais houvesse e afirmando um olhar onde a tolerância, esse sentimento tão sobrevalorizado como hediondo, acaba por transformar-se em pena. Para essa tipologia de discursos, André Diniz não oferece contribuições, procurando um registo mais quotidiano do que televisivo e definindo um olhar a partir de um filtro prévio, o olhar de Maurício Hora, fotógrafo nascido e criado no Morro da Providência. É dele a biografia que serve de matéria à narrativa de Morro da Favela, logo transformada em sinfonia do lugar quando Diniz lhe acrescenta os fragmentos de outras vidas, histórias de vizinhos e das suas famílias, os trabalhos precários, as discriminações quotidianas e os encontros com a polícia. Como diz o autor no prefácio, a vida numa favela é coisa que não existe, ou existe da mesma maneira que num bairro de classe média, uma aldeia rural, uma cidade pequena – não é diferente de qualquer outra comunidade e o ser favela não faz dela realidade homogénea ou com comportamento pré-definido.

Os recortes a negro sobre branco, angulosos e com forte contraste, convocam a encenação de um teatro de sombras, mas a ilusão de podermos assistir ao desenrolar de um enredo a partir da posição segura do espectador é desfeita pela perspicácia de um argumento que implica o leitor. É nesta proximidade entre personagens que sabemos reais e uma vida que podia ser a nossa que se constrói uma banda desenhada engenhosa no que à mise-en-page diz respeito e sem subterfúgios misericordiosos no que toca ao argumento, confirmando que ver, com os olhos ou a objectiva de uma câmara, é sempre mais do que olhar através de discursos prévios, preconceituosos e fechados.

 Sara Figueiredo Costa

(publicado no Expresso/Actual, Agosto 2013)

Workshops em Agosto

richardserralves

richarcastelo

Estão abertas as inscrições para dois workshops de diários gráficos com Richard Câmara:”Porto no meu Diário Gráfico – Serralves“, no Domingo 25 de Agosto no Porto das 10h às 20h, e “Lisboa no meu Diário Gráfico – Castelo de S. Jorge“, no Sábado 31 de Agosto em Lisboa das 10h às 20h. Informações aqui.

As imagens são de Richard Câmara.

Prémio Nacional de Ilustração

anabiscaia

Ana Biscaia é a vencedora da 17ª edição do Prémio Nacional de Ilustração, com o livro A Cadeira Que Queria Ser Sofá (texto de Clovis Levi , edição Lápis de Memória). Atribuído pela Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, o prémio teve como júri Adriana Baptista, professora na Escola Superior de Educação do Porto, Manuel San Payo, professor da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, artista plástico e ilustrador, e Cristina Grácio, em representação da DGLAB.

Para além do prémio, o júri atribuiu ainda duas menções especiais, uma a Tiago Manuel, pelo livro Mário de Sá-Carneiro: Antologia Poética (Kalandraka), e outra a André Letria, pelo livro Mar, com  texto de Ricardo Henriques (Pato Lógico).

(via Público on-line)

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Nova colecção Pato Lógico

Nova colecção Pato Lógico

Amanhã, pelas 16:30, a Pato Lógico apresenta a sua nova colecção de livros criados por ilustradores. Os dois primeiros títulos, Sombras, de Marta Monteiro e Bestial, de André da Loba, chegam às livrarias em Setembro. A apresentação decorrerá na livraria Gigões & Anantes, em Aveiro.

Recortes: Rugas

Rugas

Paco Roca
Rugas
Bertrand Editora
Tradução de Joana Neves

Ao contrário de Cícero

As primeiras pranchas de Rugas podiam ser a resposta contemporânea às ideias optimistas de Catão no livro que Cícero dedicou à velhice. O contraste entre o que Emílio, personagem principal desta narrativa, pensa estar a viver e aquilo que realmente vive inaugura um espaço de fragilidade que em nada se parece com a visão iluminada de Catão quando opõe à degradação física e à perda de força as inúmeras maravilhas da sapiência de experiência feita. Emílio está velho e o seu problema maior não é o corpo em degradação, é a cabeça confusa, o não saber onde está, o duvidar sobre quem é ele e os que o rodeiam. E os que o rodeiam já não são a sua família mais próxima, mas antes os habitantes de um lar, a casa onde os Emílios de várias famílias foram colocados para viverem os seus dias de confusão e dependência entregues aos cuidados de enfermeiros e outros especialistas na chamada terceira idade.

O percurso de Emílio nesta narrativa gráfica faz-se através do registo quotidiano da sua passagem pelo lar, mas igualmente pelas analepses que convocam memórias e onde a linguagem verbal-visual permite confrontar as feições de ambos os tempos, fazendo da personagem e dos seus medos um campo de batalha emocional onde é fácil reconhecermo-nos. Roca socorre-se de outros recursos gráficos para dar a ler a progressiva perda de memória de Emílio, usando os rostos desenhados sem fisionomia e as vinhetas em branco para ilustrar os passos desse processo. Quando os espaços por preencher ocupam a totalidade da prancha, o branco torna-se suficientemente eloquente e a ausência de signos na página assume-se como a única gramática possível para descrever a frágil teia de incompreensões em que se transformou a mente de Emílio. As cenas onde surgem personagens fisicamente incapacitadas, gente que precisa de ajuda para comer, para ir à casa de banho, ou para saber onde está serão as mais imediatamente reconhecíveis nesta história pouco luminosa, e talvez as que maior impacto causem numa primeira leitura, mas ainda assim não se afastam de uma certa constatação sobre o progresso natural e inevitável de um corpo, devedor da biologia e não apenas das ideias ou da moral. Onde Rugas verdadeiramente se confirma como um livro comovente (não pela lágrima fácil, mas antes pelo entendimento etimológico do termo, no sentido de abalar fortemente) é nesse espaço progressivamente em branco onde nada pode dar crédito as boas ideias de Catão sobre a velhice e onde tudo assegura um vazio, democrático e cruel, ao qual parecemos estar destinados.

Sara Figueiredo Costa
(publicado na revista Ler, Maio 2013)

IX Festival Internacional de BD de Beja

FIBDB2013

O IX Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja abre as portas amanhã. Programa completo e todas as informações aqui.